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17 DE MARçO DE 2025
Artigo – A separação de fato extrajudicial: Novo caminho para fim da convivência
Resumo
A separação de fato, instituto jurídico relevante no Direito de Família brasileiro, ganhou nova relevância com a EC 66/10 e a resolução 571/24 do CNJ, que agora permite a sua formalização por escritura pública. Este artigo analisa o conceito, os requisitos e os efeitos jurídicos da separação de fato, com enfoque nos aspectos patrimoniais e sucessórios, bem como nas implicações práticas da formalização extrajudicial.
Destaca-se a segurança jurídica proporcionada pela nova regulamentação, ao mesmo tempo em que se apontam lacunas, como a ausência de normas claras sobre o registro e os efeitos retroativos, que ainda demandam regulamentação.
1. Introdução
No Direito de Família brasileiro, a separação de fato é uma prática comum há muito tempo. Ela acontece quando os cônjuges decidem interromper a convivência sem dissolver oficialmente o casamento. Apesar de informal, essa decisão tem aspectos importantes, afetando a divisão de bens, a possibilidade de nas uniões estáveis e até questões de herança.
Com a EC 66/10, que eliminou a obrigatoriedade da exigência da separação judicial antes do divórcio e, mais recentemente com a resolução 571/24 do CNJ, que permite formalizar a separação de fato em cartório, esse instituto ganhou novo fôlego. Hoje é uma opção reconhecida e que oferece segurança jurídica e praticidade.
Neste artigo, vamos explorar o que é a escritura pública de declaração de separação de fato consensual, como ela funciona na prática, seus efeitos jurídicos e as mudanças trazidas pela nova regulamentação. Além disso, discutiremos os desafios que ainda precisam ser resolvidos, como o registro dessa formalização e seus efeitos no tempo.
2. Conceito e requisitos da separação de fato
A separação de fato ocorre quando os cônjuges decidem interromper a convivência conjugal, sem necessidade de homologação judicial. O casamento continua existindo no papel, na prática, a relação como casal chega ao fim. Isso pode acontecer mesmo que os dois sigam morando juntos, desde que não haja mais comunhão de vida – ou seja, não compartilhem mais os aspectos de um casamento, como afetividade e rotina conjunta.
Para a doutrina, dois elementos são essenciais: o objetivo, que é a cessação efetiva da convivência, e o subjetivo, que é a intenção clara de não retomar a relação, manifestada por ao menos um dos dois. Essa ruptura, apesar de simples, traz efeitos importantes, como na partilha de bens, na possibilidade de pensão alimentícia ou até na proteção contra a usucapião familiar (art. 1.240-A do Código Civil), quando um dos cônjuges pode reivindicar o imóvel por abandono do outro.
3. A evolução histórica e normativa
Até 2010, o divórcio no Brasil exigia um caminho mais longo. Era preciso passar pela separação judicial ou provar a separação de fato por pelo menos dois anos. A EC 66/10 mudou isso ao alterar o art. 226, §6º, da Constituição Federal, permitindo o divórcio direto, sem requisitos prévios. O STF, no julgamento do Tema 1.053 da Repercussão Geral, em 2020, foi além e declarou que a separação judicial não tem mais lugar no ordenamento jurídico, encerrando a controvérsia doutrinária.
Assim, a separação de fato se tornou a única forma de interromper a convivência conjugal sem dissolver o casamento, agora com a possibilidade de formalização em cartório, o que reforça a segurança jurídica.
4. Motivações para a separação de fato
Por que alguém escolheria a separação de fato em vez do divórcio? Os motivos são variados. Alguns casais evitam o divórcio por questões religiosas, outros enfrentam dificuldades práticas, como as demoras para avaliar e dividir os bens. Há também casos em que filhos menores complicam o processo, exigindo decisões judiciais sobre a guarda e pensão que podem levar tempo.
Além disso, a separação de fato funciona como uma pausa para reflexão, permitindo ao casal decidir entre o divórcio definitivo ou uma reconciliação. Com a nova opção de formalizá-la em cartório, essa etapa ganha mais clareza e segurança jurídica.
5. A formalização extrajudicial pela Eesolução 571/24
A resolução 571/24, que atualizou a resolução 35/2007 do CNJ, abriu a porta para formalizar a separação de fato por escritura pública. Para isso, os dois cônjuges devem comparecer em cartório, acompanhados de um advogado.
Vale enfatizar que todos os atos da resolução 35/2007 exigem a figura do advogado. Ademais, a resolução não permite que uma das partes, unilateralmente, compareça ao cartório para declarar a separação, nem mesmo se acompanhada de testemunhas. O ato deve conter, nos termos da resolução, o registro do término da convivência, sem a necessidade de descrever os motivos que levaram à separação.
Vale informar que o referido instituto tem respaldo legal nos artigos 1º e 52-A e seguintes da referida resolução, os quais dispõem sobre os documentos necessários e os requisitos importantes a serem cumpridos pelas partes, pelo advogado e pelo tabelião.
6. Efeitos jurídicos da separação de fato
Primeiro ponto significativo é que a separação de fato não altera o estado civil dos cônjuges, que permanecem formalmente casados. Porém, serve como parâmetro para pôr fim aos deveres conjugais, como fidelidade e coabitação, assim como estabelece um marco temporal para a divisão de bens.
Ainda nesse sentido corrobora a decisão do Superior Tribunal de Justiça:
“PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. UNIÃO ESTÁVEL. REQUISITOS LEGAIS. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ. UNIÃO ESTÁVEL RECONHECIDA MESMO NA CONDIÇÃO DE CASADO DO DE CUJUS. EXISTÊNCIA DE SEPARAÇÃO DE FATO. AFASTAMENTO DE CONCUBINATO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. SÚMULA 83/STJ. (REsp 408.296/RJ, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/06/2009, DJe 24/06/2009).
Verifica-se que a decisão enfatizada estabeleceu que a separação de fato coloca realmente fim ao dever de fidelidade, uma vez que o novo relacionamento do separado de fato configura união estável e não concubinato.
Saliente-se que não é permitido na escritura pública de separação de fato tratar de questões como a definição de guarda, pensão ou visitação dos filhos, uma vez que são matérias exclusivas da esfera do Poder Judiciário.
É possível no instrumento público de separação de fato tratar diversas questões relevantes, como quem exercerá a posse do único imóvel da família e o uso dos bens comuns. Isso é importante para evitar o embasamento de eventual pedido de usucapião familiar ou especial urbana por abandono de lar, nos termos do art. 1240-A do Código Civil, modalidade essa que permite cônjuge ou convivente abandonado adquirir, após o abandono voluntário, a propriedade integral do imóvel do casal em decorrência da posse prolonga, contínua e exclusiva do imóvel, pelo prazo de dois anos.
Outro aspecto indispensável na escritura pública de separação de fato é o arrolamento dos bens do casal, visto que a data da separação será o marco da divisão patrimonial. Isto é, os bens adquiridos após a separação de fato irão compor um novo acervo, o dos bens particulares.
A indispensabilidade dessa medida como requisito para a escritura de separação de fato tem como fundamento a preservação e segurança do patrimônio do casal e como consequência evitar futuras disputas patrimoniais. Como exemplo, a escritura pode evitar que uma das partes utilize recursos comuns do casal para adquirir bens particulares, com consequente prejuízo do outro.
Nota-se que o referido arrolamento não substitui a partilha do casal ou dos conviventes que poderá ser efetuada tanto no divórcio como também em partilha posterior. Ainda não se utiliza esses bens arrolados para fins de cobrança do instrumento público.
Apesar de separados de fato, nos casos de disposição patrimonial do acervo dos bens comuns, ambos devem comparecer no ato da alienação, não sendo possível que um deles compareça dispondo só da sua metade, sem realizar a prévia partilha dos bens.
Pode surgir a situação em que um dos cônjuges, já separado de fato, deseja vender um bem que integra seu patrimônio particular. Nesse contexto, uma decisão recente do Conselho Superior da Magistratura de São Paulo oferece um exemplo esclarecedor:
“Direito de família – Escritura pública de venda e compra de bem imóvel particular — Outorga uxória inexistente – Inscrição recusada – Dúvida em primeira instância julgada procedente – Apelo provido.” (APELAÇÃO CÍVEL nº 1147774-71.2024.8.26.0100)
Essa decisão revela que o Conselho Superior da Magistratura entendeu que a separação de fato elimina a necessidade de outorga uxória para a venda de um bem próprio de um dos cônjuges. No caso analisado, o registrador havia negado o registro da transação por falta da autorização do outro cônjuge, mesmo com a separação de fato em curso e um processo de divórcio litigioso em andamento. A exigência do registrador tinha como base o art. 1.647, inciso I, do Código Civil, que determina a anuência do cônjuge para a alienação de bens imóveis, exceto nos casos de regime de separação total de bens.
O relator, em seu voto, reforçou essa interpretação ao citar a jurisprudência do STJ, que considera a separação de fato um marco para o fim do regime de bens, interrompendo a comunicação patrimonial entre os cônjuges. Com esse fundamento, o Conselho afastou a necessidade da outorga uxória e determinou o registro da escritura de venda do imóvel. O caso destaca, de forma clara, os efeitos práticos da separação de fato, especialmente no que diz respeito à autonomia para dispor de bens próprios.
Vale ressaltar, porém, que esse registro, embora autorizado, não é definitivo. Ele pode ser questionado judicialmente e anulado, desde que isso seja pedido e reconhecido no prazo de dois anos após o fim oficial da sociedade conjugal, conforme prevê o art. 1.649 do Código Civil. Assim, mesmo com a liberdade para vender o bem, o cônjuge deve estar atento a possíveis contestações futuras, o que reforça a importância de agir com cautela nesse tipo de transação e a importância da formalização da separação de fato.
Embora a separação de fato ponha fim aos deveres conjugais e ao regime de bens, é preciso ter cuidado ao considerar uma reconciliação, seja ela formalizada judicialmente ou em cartório. Se o casal decidir retomar a convivência, essa volta precisa ser oficializada para evitar confusões patrimoniais, especialmente se bens foram adquiridos durante o período em que estiveram separados. Nessa situação, será necessário definir claramente se esses bens, comprados na fase de separação, serão tratados como comuns ou particulares.
Além disso, é importante destacar que, se a reconciliação ocorrer sem ser formalizada por escritura pública ou decisão judicial, esse retorno não será visto como uma simples continuação do casamento. Em vez disso, será considerado o início de uma nova relação, caracterizada como união estável, sujeita ao regime legal vigente – em geral, a comunhão parcial de bens, salvo disposição contrária.
Seguindo essa lógica, a retomada da convivência sem formalização não restaura automaticamente o casamento nem o regime de bens anterior. Na prática, ela marca o começo de uma união estável, o que pode gerar implicações inesperadas para o patrimônio do casal.
Outro aspecto sensível é a gestação durante a separação de fato. A resolução 571/24 do CNJ impede a formalização extrajudicial da separação se a mulher estiver grávida, provavelmente para proteger a presunção de paternidade prevista no art. 1.597 do Código Civil. Nessas circunstâncias, a questão muitas vezes escapa do alcance da via extrajudicial, deixando às partes como única opção recorrer ao Poder Judiciário para resolver eventuais disputas.
7. Registro e publicidade da separação de fato
A formalização da separação de fato por escritura pública, introduzida pela resolução 571/24 do CNJ, traz um desafio prático importante: onde registrar esse ato para assegurar sua publicidade e eficácia perante terceiros? A resposta não é imediata, pois a lei 6.015/1973, que regula os registros públicos, não trata diretamente da separação de fato, exigindo uma interpretação cuidadosa das normas existentes.
No registro civil, surge a dúvida sobre o livro adequado. O livro B, destinado aos registros de casamento, parece apropriado, já que, historicamente, a separação judicial era anotada ali. Essa anotação, conhecida como averbação, registra alterações no casamento sem mudar o estado civil – o que se alinha com a separação de fato. Já o divórcio, também averbado no livro B, dissolve o vínculo e altera o estado civil, distinguindo-se nesse ponto. Por outro lado, há quem defenda o uso do livro E, voltado para atos diversos. Nesse caso, a separação de fato seria registrada inicialmente no livro E, com uma anotação posterior no livro B para assegurar sua divulgação. Essa alternativa, porém, depende de diretrizes específicas que o CNJ ou as corregedorias estaduais ainda não estabeleceram.
A lei 8.935/1994, que regula os serviços notariais, também é pertinente, embora não mencione a separação de fato. Ela autoriza os tabeliães a formalizar atos jurídicos, como a escritura de separação de fato, mas não esclarece como garantir sua publicidade. Para que a escritura tenha efeito perante terceiros, especialmente em questões patrimoniais, o registro adequado é essencial. Sem isso, credores ou compradores de imóveis, por exemplo, podem desconhecer o fim do regime de bens, gerando potenciais conflitos.
Outra possibilidade é o registro da escritura no registro de imóveis. Embora a separação de fato não altere o estado civil, ela encerra o regime de bens, influenciando a aquisição de novos bens. Registrar o ato nesse cartório pode informar terceiros sobre essa mudança, evitando problemas em transações imobiliárias – como a venda de um imóvel sem a anuência do outro cônjuge, algo que a justiça, em alguns casos, já considerou dispensável.
A ausência de regras claras cria incertezas. A legislação exige registro para atos que modificam o estado civil, mas a separação de fato não se enquadra nisso, o que pode levar a práticas inconsistentes entre cartórios. Em São Paulo, por exemplo, as normas locais dispuseram apensa sobre a escritura pública de separação de fato, repetindo as disposições da normativa do CNJ. No entanto, não abordaram as questões referentes ao ingresso no registro civil das pessoas naturais e no registro de imóveis.
Quanto ao alcance temporal, a resolução 571/24 não trouxe expressamente se os efeitos podem ser retroativos. Porém, para preservar direitos de terceiros, a escritura não deverá retroagir, isto é, seus efeitos devem começam na data da assinatura. Isso impede que a separação de fato seja usada para modificar eventos passados ou escapar de obrigações. O STJ já decidiu que escolhas sobre regime de bens em uniões estáveis não têm efeito retroativo, um entendimento que pode ser aplicado por analogia aqui.
Em síntese, o registro da separação de fato é fundamental para sua eficácia, mas a legislação ainda não oferece um procedimento definido. O livro B do registro civil aparece como a opção mais lógica, enquanto o registro de imóveis pode complementar a publicidade em questões patrimoniais. Até que normas específicas sejam criadas, os cartórios devem aplicar as regras vigentes com cautela, assegurando a segurança jurídica.
8. Conclusão
A separação de fato evoluiu de uma prática informal para um instituto reconhecido e formalizável, graças à resolução 571/24 do CNJ. Ela oferece uma solução prática para quem quer encerrar a convivência sem o divórcio imediato, com proteção de bens e direitos. É um caminho que dá flexibilidade e segurança.
Ainda assim, há questões abertas, como o ingresso no registro civil das pessoas naturais e registro de imóveis, e a possibilidade de efeitos retroativos. Mesmo com esses desafios, a separação de fato já se mostra um recurso valioso, o que traz simplicidade e proteção aos casais brasileiros
A separação de fato não é apenas o fim de uma convivência, mas o início de um novo momento, onde a segurança jurídica é essencial para evitar litígios e proteger direitos.
Fonte: Migalhas
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