NOTÍCIAS
11 DE JULHO DE 2024
Artigo – Multipropriedade imobiliária: a polêmica sobre a (in) constitucionalidade da limitação da renúncia
A multipropriedade imobiliária é uma modalidade de propriedade em condomínio positivada pela lei 13.777/18. O diferencial dela – para as demais espécies de condomínio – está no parcelamento do tempo; um mesmo imóvel-base pode ser comercializado e compartilhado entre dezenas de compradores. O uso, porém, ocorrerá de forma exclusiva e alternada por cada multiproprietário.
A ideia da divisão temporal surgiu na França em tempos de recessão econômica, na década de setenta.1 À época, os empreendedores desejavam atrair um novo público-alvo (até então ignorado pelo mercado): Indivíduos interessados em adquirir uma “segunda casa” para passar as férias, mas que não queriam/podiam arcar com a integralidade das despesas decorrentes do imóvel. O produto criado pelos empreendedores recebeu diferentes enquadramentos jurídicos na Europa (como a “multipropriedade” societária e a “multipropriedade” enquanto direito real limitado2), e foi como compartilhamento da propriedade que ela fez mais sucesso, tendo desembarcado em 1985 no Brasil.3
Existem diversas razões para a multipropriedade imobiliária ter emplacado pelo mundo; ela pode ser vantajosa sob diferentes perspectivas. Para o multiproprietário, é a chance de ter uma “casa de férias” a um preço mais acessível, tendo em vista que os custos (inerentes a qualquer imóvel) são diluídos com os outros proprietários. Para o empreendedor, é a oportunidade de aumentar a margem de lucro. Com a possibilidade de alienar o mesmo imóvel-base para mais de um proprietário, a lista de potenciais compradores para casas de praia ou de campo cresceu, assim como o valor geral de vendas (“VGV”) do empreendimento. Para a região onde há a multipropriedade, a repercussão é sobre a economia como um todo, que se fortalece com a redução da sazonalidade do turismo. Para uma utilização mais consciente do imóvel.4 Em vez de apenas uma família aproveitar o bem em um curto período (restrito aos fins de semana e eventuais férias), até cinquenta e duas poderão usá-lo o ano todo.
Apesar dos benefícios da multipropriedade imobiliária, até 2017 os investimentos no Brasil ainda se mostravam aquém do potencial de mercado. Havia um cenário de insegurança jurídica; faltava para alguns a compreensão do que era a multipropriedade (exemplo disso é a discussão sobre a natureza jurídica, que precisou ser solucionada no julgamento do REsp 1.546.165-SP). Foi sob esse contexto – para tentar conferir segurança à cadeia produtiva – que ocorreu o advento da lei 13.777/18.
Essa legislação, ao inserir novos dispositivos no Código Civil e na lei dos registros públicos, contribuiu para consolidação da multipropriedade imobiliária. A essência do instituto foi positivada e, com isso, uma série de controvérsias pretéritas se encerraram. A despeito dos avanços obtidos com a lei 13.777/18, um dispositivo destoou dos demais: O art. 1.358-T, que restringe o direito do multiproprietário renunciar à multipropriedade (renúncia translativa) em favor do condomínio edilício. Duas dúvidas surgem ao observá-lo: (1ª) a verdadeira intenção do legislador ao criar esse dispositivo; e (2ª) a (in)constitucionalidade dele.
Tentar desvendar o real objetivo do legislador com a restrição da renúncia translativa não é tarefa simples. Há quem sugira que o art. 1.358-T tenha sido concebido para solucionar um inconveniente: Evitar que o multiproprietário renuncie à propriedade periódica e, assim, torne o poder público titular daquela multipropriedade5, com fundamento no art. 1.276 do CC/02. O receio disso acontecer é compreensível. Ter o poder público como multiproprietário pode ser um entrave para a perpetuidade do condomínio em multipropriedade. Afinal, é provável que o poder público – diante da escassez de recursos, assim como da falta de interesse dele em usar o imóvel-base e manter a multipropriedade – deixará de pagar as contribuições de condomínio. O problema é que a renúncia translativa não obsta essa hipótese de perda da propriedade para a municipalidade, e, sim, a renúncia abdicativa, que nem sequer foi mencionada no art. 1.358-T.
Renúncia translativa e abdicativa não são, então, sinônimas; elas produzem efeitos distintos. Enquanto a renúncia translativa é a faculdade que o titular tem de renunciar a propriedade em favor de qualquer sujeito – seja para pagar um débito (dação em pagamento)6 ou para beneficiar gratuitamente alguém -, a renúncia abdicativa é a vontade manifestada pelo titular no ofício de registro de imóveis de tornar o bem renunciado vago (res derelicta). A translativa é, portanto, uma espécie de alienação ou doação (atrai o ITBI ou o ITCD)7; a abdicativa, o abandono manifesto da coisa.8 Daí se extrai que o legislador talvez tenha se confundido ao fazer referência à renúncia translativa, em vez da abdicativa.
Independentemente se houve equívoco na redação do art. 1.358-T da lei 13.777/18, deve prevalecer o entendimento de que a renúncia abdicativa permanece viável.9 O multiproprietário, no uso de suas atribuições, pode dispor como bem lhe aprouver do seu direito real, inclusive mediante a abdicação da propriedade periódica (a ser titularizada pelo poder público).
Defender a ampliação da limitação do art. 1.358-T da lei 13.777/18 para a renúncia abdicativa importaria grave ofensa à faculdade do proprietário de tornar a coisa vaga, bem como prejuízo ao condômino que não pode mais arcar com os débitos condominiais, impossibilitando-o de se desvencilhar dos fatos geradores futuros.10 Na prática, eventual tentativa de aplicação extensiva será inconstitucional, por violação (1º) ao direito de propriedade; e (2º) ao princípio da proporcionalidade, pois o multiproprietário será impedido de estancar o problema (libertar-se das despesas vincendas).11
Como solução ao inconveniente da renúncia abdicativa, poderia o legislador submeter o multiproprietário renunciante ao preenchimento de requisitos para perfectibilização desse ato. Seria recomendável
Exigir que o multiproprietário, antes de renunciar, informasse o condomínio edilício sobre o seu interesse em abdicar da propriedade periódica; e
Permitir ao condomínio edilício assumir as eventuais dívidas propter rem, adquirindo a propriedade (ressalvada a discussão sobre a personalidade jurídica do condomínio).
A comunicação prévia viabilizaria, portanto, a possibilidade de os multiproprietários buscarem uma forma de contornar a renúncia abdicativa – isso tudo, é claro, sem ofender qualquer direito constitucional do multiproprietário renunciante.
Fonte: Migalhas
Outras Notícias
Anoreg RS
12 DE JULHO DE 2024
Artigo – Lei 14.825/24 e a segurança jurídica aos adquirentes de boa- fé na compra de imóveis
Inclusão de novo inciso garante aumento da segurança jurídica para aqueles que estão adquirindo os imóveis.
Anoreg RS
12 DE JULHO DE 2024
Testamento pode dispor sobre criação de filhos menores e incapazes
Quando o tema é planejamento patrimonial e sucessório, a preocupação das famílias não se limita exclusivamente...
Anoreg RS
12 DE JULHO DE 2024
Artigo – Os contratos sucessórios na reforma do Código Civil
A nulidade absoluta infligida aos contratos sucessórios pelas codificações brasileiras (CC/1916, artigo 1.089;
Anoreg RS
12 DE JULHO DE 2024
CN-CNJ analisou PP sobre reconhecimento extrajudicial de usucapião por meio de Sentença Arbitral
De acordo com os autos, o procedimento não seguiu a Lei da Arbitragem e nem cumpriu os requisitos do Provimento CNJ...
Anoreg RS
11 DE JULHO DE 2024
Digitalização dos cartórios evitou perda de documentos em dez serventias que tiveram acervos destruídos pela cheia no RS
Cerca de 50 unidades foram atingidas pela inundação do mês de maio. Dos 774 cartórios do Rio Grande do Sul, 30...